Apesar das bravatas neo-nazis, não creio que o novo poder orwelliano dos EUA represente um perigo imediato para a paz mundial, sendo-o apenas para os vastos sectores da população que serão ostracizados e perseguidos (mas não os judeus, desta vez). O meu relativo optimismo prende-se com a feição mercantil e empresarial dos novos-velhos senhores de Washington, mais empenhados em enriquecer com o tráfico de banha da cobra (sapatilhas, bonés, relógios de pulso, criptomoedas, carripanas eléctricas, anúncios em redes sociais e programas espaciais financiados pelo erário público, entre outros). Trump, Musk e a restante pandilha sabem que a guerra é dispendiosa e acarreta riscos desagradáveis, pelo que o Heil! de lábios mordidos do novo tecno-ocupante da Casa Branca há-de confinar-se, ao menos para já, à intenção, nem sequer escondida, de criar uma rede de governos-fantoche do tipo Vichy, colaborantes e disponíveis para uma Anschluss à austríaca. Deste modo se criará o novo Eixo da Idade de Ouro norte-americana, a qual terá como único contraponto a União das Ditaduras do Oriente, abrangendo boa parte de África, a China e a Índia, o Irão, a Rússia e todo o território que a aliança estratégica consiga anexar nos próximos anos. Ver-se-á, entretanto, para que facção se inclinam, nos próximos anos, a América do Sul, a Austrália, a Europa e a Turquia (por enquanto periclitante entre a União do Oriente e a NATO, enquanto existir NATO). Parece, sim, um futuro distópico, mas já não tão distante quanto isso, replicando, grosso modo, o mapa geopolítico do 1984 de Orwell, com o Minuto de Ódio transmitido nas redes sociais e confrontações militares regulares, a fim de manter a disciplina e o medo da turba. É certo que Orwell não contou com o desenvolvimento de uma Inteligência Artificial à solta nem com as suas eventuais consequência às mãos de um bando de celerados. Não é, pois, completamente tola a ideia segundo a qual este é um tempo extraordinário para estar vivo e poder assistir ao fim do mundo comodamente instalados na primeira fila do espectáculo. Só não é provável que venhamos, um dia, a poder contá-lo aos nossos netos.
Mas sosseguemos. Enquanto esperamos, não vão faltar as telenovelas, os concursos televisivos propícios à idiotização, as imagens de gatinhos para partilhar nas redes sociais e as supostas notícias de última hora sobre o Martim Moniz, o penálti que ficou por marcar ou a próxima depressão atmosférica.