Convém notar que existe, naquela esquina, a sucursal de um banco. É precisamente diante dessa dependência do capitalismo selvagem que o artista da miséria costuma actuar, facto que adquire, por si só, um certo simbolismo antitético que talvez possa concitar o interesse dos especialistas em semiótica e outras disciplinas concomitantes e afins (podemos trocar algumas ideias sobre este assunto). Acresce que o performer, se me perdoam o anglicismo (ou que escreva frases compostas), não adopta uma atitude mendicante passiva e anódina. Está ajoelhado no passeio, debruçado para diante de modo a obstruir o trânsito dos peões e com os braços esticados, segurando nas mãos erguidas um copo de alumínio que se supõe destinado à recolha das esmolas. A atitude é de súplica e remete para certa iconografia cristã, o que também estabelece um poderoso diálogo semiológico com o templo existente do outro lado da rua, que os turistas visitam pagando uma espécie de espórtula (à laia de bilhete de entrada), a qual, porém, quase sempre negam ao artista da miséria. Por fim, sublinhe-se que o performer geme ou emite uma espécie de cantilena plangente, completando, deste modo, o quadro místico.
Isto, porém, é o que qualquer um pode enxergar sem recorrer a conceptualizações analógicas demasiado rebuscadas. O ponto, se algum há, consiste no facto de a impressiva representação imagética ali alcançada pelo artista ser totalmente infrutífera do ponto de vista prático: uma vez que ele nunca ergue a cabeça para confrontar os passantes, estes limitam-se a contorná-lo e a seguir caminho, sem terem, sequer, de alegar não ter trocos ou qualquer uma das patranhas que se dizem para não se ficar sem dinheiro no bolso ao fim de dez minutos ao ar livre na cidade. Em resumo: mais um caso dramático de desperdício do talento nacional.