Vejo-a dançar quase todos os dias, de saltos altos e o torvelinho esvoaçante do seu cabelo animando os turistas que passam na praça. Mas não posso dizer que seja bonita, essa moça, apesar das pulseiras coloridas, dos brincos de argola, do casaquinho justo ao corpo elegante e do modo como saracoteia e sacode o samba que traz no pé.
Enleada no homem das camisas tropicais, com o qual dança durante as horas regulares do seu expediente, a preta tem no rosto alguma coisa de boneca de trapos. É mesmo possível que o seja de facto, se se admitir que as bonecas de trapos também crescem e se fazem adultas com corpo de mulher, a pele macia de Oxum e uma luz no coração, conforme o poema de Vinicius de Moraes. Mas que sei eu, senão que a vejo bailar das dez às treze num canto da praça, voltando-me às vezes os grandes olhos de pano como se pudesse ver-me e saber que ali estou? Nem o feijão queima nem o leite azeda enquanto ela requebra, remexe e gasta a sola do sapato na ponta do pé.
Não sei o nome da moça, nem em que bairro mora ou de onde vem, mas hoje vi quando ela se foi embora - dobrada e metida numa mala de viagem com rodas, dessas de puxar e fazer caminho. Não preciso de perguntar, como noutro samba, quem quebrou a cintura da negra, pois sei que foi o homem das camisas tropicais, o mesmo que carrega a mala e a leva para casa. A boneca é dele, o samba também. Será dele a preta ainda quando, à noite, a tirar da mala, lhe sacudir os caracóis do cabelo e lhe pedir que dance outra coisa qualquer.