terça-feira, 12 de novembro de 2024

A dama e os vagabundos, colecção Outono-Inverno 2024

 Ainda está aí alguém? Duvido. Mas talvez, por desfastio ou acidente, algum ocasional leitor acabe ainda por tomar conhecimento deste texto, que não é senão um cartão-postal quase demasiado madrugador daquelas ruas do Porto que parecem existir somente como cenário para os instantâneos fotográficos de turistas em busca do mais very typical de cada recanto do mundo. Sucedeu uma destas manhãs: na esquina das ruas das Carmelitas e de Cândido dos Reis, à sombra da Torre dos Clérigos, decorria uma sessão fotográfica de uns trapos de moda ali entre uma loja de quinquilharias de luxo, as bugigangas de uma ourivesaria e as miudezas de uma loja de lembranças (dessas que, segundo o edil, talvez sirvam para lavar mais branco o dinheiro que não tenha ainda sido usado para comprar algum exclusivíssimo apartamento da marginal). A loiríssima e vaporosa dama, elegantemente ataviada, ensaiava poses, levantava o queixo e punha a mão na cintura, indiferente, creio, aos dois sem-abrigo que dormem regularmente naquelas esquinas e que continuavam quietos e talvez adormecidos apesar do pouco usual movimento àquela hora do dia. Com alguma sorte, e algum cinismo pós-moderno, é mesmo possível que os mendigos, ou o seu impessoal embrulho, acabem, não a atrapalhar o público como numa canção do Chico Buarque, mas a servir de adereço ou cenário da próxima colecção Outono-Inverno.