terça-feira, 4 de julho de 2023

A morte de Victoria Amelina

 



Notícias de hoje dão conta de que a Rússia acusou a Ucrânia de atacar Moscovo com drones — curiosa lamúria de um país que há quase 19 meses destrói cidades ucranianas com drones, mísseis e tudo o mais que tenha à mão de semear. Na semana passada, por exemplo, o regime fascista de Moscovo atacou um restaurante na cidade de Kramatorsk, no qual jantavam — tão pacificamente quanto é possível jantar — a escritora Victoria Amelina e os colombianos Héctor Abad Faciolince (também escritor), Sergio Jaramillo e Catalina Gómez. Victoria acabou por morrer no domingo, vítima dos ferimentos provocados por um estilhaço resultante da explosão, tornando-se a 13ª baixa do míssil Iskander que atingiu a casa de pasto (e não um dos imaginários alvos militares com que a Rússia procura camuflar a carnificina).

Aos 37 anos, Amelina continua inédita em Portugal, apesar de já ter vencido o Prémio Joseph Conrad e de ter sido finalista do Prémio de Literatura da União Europeia (é provável que a editem agora, havendo uma brecha na torrente de best-sellers que todas as semanas inundam as livrarias). Segundo Faciolince, citado pelo El País, a explosão aconteceu durante um momento em que o grupo, sentado à mesa do restaurante, bebia cerveja, ria e brincava com a hora do recolher obrigatório. "Mas porque estamos todos bem e ela não? Isto é uma roleta russa na qual a um sai um estilhaço e a outros nada. É espantoso estar assim e viver num mundo onde acontecem estas coisas", declarou Héctor.

Victoria Amelina não voltará a sorrir nem a escrever. Também, não tarda, se lhe aplicarão os dois versos de Borges que o pai de Faciolince levava no bolso quando foi morto por paramilitares colombianos numa outra guerra: "Já somos o esquecimento que seremos/o pó primordial que nos ignora”. A guerra russa não pára de produzir pó, cinzas, morte e destruição de tudo. Do sorriso de Amelina também.