segunda-feira, 19 de junho de 2023

Os nossos fantasmas agitando-se ao longe


O fotógrafo francês Thibaut Derien publicou há já algum tempo o livro J'habite une ville fantôme, agora na origem de uma exposição, o qual é fruto de dez anos de trabalho, entre 2005 e 2015. Thibaut dedicou-se, durante essa década, a fotografar o resultado de anos de negligência política e urbanística num conjunto de pequenas cidades periféricas onde o tempo e a incúria encerraram as portas de milhares de pequenos estabelecimentos comerciais, cinemas ou hotéis. 

O livro e a exposição constituem, se bem o compreendi, um testemunho pungente da realidade de incontáveis cidades em todo o mundo e do imaginário de qualquer pessoa com mais de vinte ou trinta anos, inevitavelmente confrontado, a cada esquina, com a memória do fantasma mudo das padarias, talhos, peixarias, cafés, carvoarias, mercearias ou drogarias de outrora — todos irremediavelmente encerrados ou transformados em alguma coisa mais adequada aos novos tempos, substituídos por super e hipermercados, cadeias internacionais disto ou daquilo, lojas para turista ver.

Quando caminho, ao acaso, pelas ruas da minha cidade, não raro sou capaz de enxergar também os fantasmas das lojas de outrora — da sapataria e do sapateiro, do talho e da retrosaria, da livraria e da papelaria, do ferreiro, do carpinteiro, da oficina —, onde, jovens e tontos, íamos comprar cigarros avulso, aviar uma encomenda de botões ou fechos éclair, comprar meia dúzia de moletes, uma garrafa de Três Marias ou folhear a Gina e a Weekend Sex para memória futura. Vendo-os agitando-se a partir de uma realidade paralela, persuado-me não só de que os tempos mudaram, mas também de que este vai deixando de ser o meu tempo e o meu lugar. 

Desfocando-me devagar, conforme sucede a qualquer outro testemunho do passado, será uma questão de meses ou de anos até que uma fotografia me recorde também como a um fantasma de alguém que passou pelo mundo e de quem já ninguém se lembra.