terça-feira, 16 de maio de 2023

Uma questão de estilo


A célebre frase de Herberto Helder "Se eu quisesse, enlouquecia" é, para lá do efeito que produz, a primeira de um texto intitulado Estilo, que abre o livro Os Passos em Volta. A possibilidade de o autor ou o narrador desse escrito enlouquecerem adquire, deste modo, uma outra dimensão. 

Muitos de nós, e não faltam em alguns dias motivos para isso, poderiam enlouquecer por vontade própria, ou convencer-se disso, e rir ou chorar sem ser por nada, durante muito tempo e à margem de quaisquer regras de convivência social admitidas no círculo dos sãos. Herberto Helder também, desde logo porque sabe "uma quantidade de histórias terríveis". Mas a possibilidade de endoidecer surge, neste caso, como um recurso de estilo, uma sua manifestação, desde logo porque, acrescenta depois Herberto, "o poeta [também] não morre da morte da poesia". 

Seja como for, esse texto termina com a frase "Talvez o senhor seja mais inteligente do que eu", o que, não duvido, se aplica com muitíssima circunstância aos senhores e às senhoras que ocasionalmente vêm espreitar estes meus toscos escritos. São todos finos e argutos, muito mais lúcidos do que eu, desde logo por, na maioria dos casos, não perderem tempo a redigir prosas que ninguém lerá — afirmação que não deixa, a seu modo, de ser também uma afirmação de estilo. Mas, e conforme escreveu Herberto, "o mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo". Eu não tenho outro. Ou talvez tenha.