quarta-feira, 10 de maio de 2023

Os malefícios do tabaco

 


Minhas senhoras e, de certo modo, meus senhores: podendo usar este espaço para discorrer a propósito de qualquer assunto, conforme sucedia a Nioukhine na conferência que Tchekov escreveu, escolhi para tema deste escrito o horror dos malefícios do tabaco, o qual, conforme é público, mobiliza as melhores atenções do nosso governo, que deus o tenha, sempre tão disposto à moralização e à saúde das massas que até o mais pintado se pergunta como é possível a quem lidera um país estar sempre alerta a tudo e também àquilo que realmente importa. A saber: a criminosa liberalidade com que tenebrosas legiões de fumadores se juntam à porta de restaurantes, cafés e bares, poluindo a nossa cristalina atmosfera e condenando à morte os que, incautos e saudáveis, livres de qualquer maleita, ali passam inocentemente. E não me venham falar da TAP, do novo aeroporto, dos magotes nos comboios e nos autocarros, da inflação, da especulação imobiliária, dos juros altos, da queda dos salários reais, da carestia, dos alunos sem aulas, dos doentes sem médico, dos atrasos no PRR ou dos carros da polícia que não podem circular por falta de pagamento, que são tudo coisas miúdas e irrisórias se comparadas com o assassino prazer desses nicotinómanos soprando volutas de gases mortais no espaço público, aos quais a polícia pode facilmente deitar a luva e multar valendo-se de um giro a pé e sem necessidade de locomoção automóvel. Saibam, aliás, que tenho a voz tão grossa como o mais indignado, para além de um relógio de pulso e um calo que me arrelia quatro vezes ao dia, pelo que posso esbracejar e protestar, como qualquer um, sobre os temas mais inúteis e irrelevantes, mas escolho debruçar-me precisamente, e que a fortuna me guie nesta batalha, sobre aquilo que é essencial e superlativo. Nada na pátria é mais urgente do que pôr os sujos fumadores na ordem, persegui-los e admoestá-los pelo crime que insensatamente cometem contra o seu semelhante, e permito-me ter a esperança de o ter demonstrado cabalmente e sem margem para tolas refutações. Tenho dito.