"Sou hoje um caçador de achadouros da infância", escreveu Manoel de Barros. "Vou meio dementado e de enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos".
Talvez por ver cada vez mais de perto a idade sentimental dos poetas, dedico-me, também eu, a remexer a pequena porção de terra onde, se calhar, reencontro o minúsculo e infantil prazer de ver crescer o corpo das plantas do mundo. Impossibilitado do contacto diário com o rude da semeadura e da colheita das batatas, com a aspereza das folhas do milho, tenho recolhido espécimes desencontradas de cactos e suculentas no limitado espaço de um vaso que, para mim, tem o tamanho do mundo. Aí as nutro e mimo, cuidando da qualidade do solo e da textura da luz, a ver se crescem e deitam sombra.
Também não desisti do antúrio que parece estiolar no exíguo de um vaso, ao qual juntei, num arroubo experimentalista, um rebento de árvore-do-papel que talvez um dia ganha raízes e se faça forte e alto, ou que talvez seque sem chegar a medrar. Num copo, iniciei o processo prescrito para a criação de um limoeiro que há-de ainda ser da parentela daquele que ainda há no quintal dos meus avós, um dos achadouros da minha infância.
É, sim, tudo um pouco dementado e diletante, sem sequer o amparo de uma enxada às costas. Sonho, porém, que os meus minúsculos cactos, amanhados entre os meus dedos, serão, algum dia, um jardim de suculentas, e que as minhas impossíveis árvores aí ficarão para abrigar na sua improvável sombra os meninos que os meus netos são e serão. Talvez perdure, o meu quintal de brincar, mais do que um livro, do que todos os livros que escrevi, e capture outras infâncias para além daquela com que agora me enterneço.