São cada vez mais numerosos os galináceos que se pavoneiam e cacarejam no Jardim Botânico do Porto. Nota-se que estão ali muito comprazidos e que se reproduzem abundantemente, a despeito da horrenda bonecada que agora ali se instala por largas temporadas para espectáculos nocturnos de relativo sucesso. Há galinhas de várias cores, pintos atrevidos que pulam para cima das mesas da esplanada e, sobretudo, esplêndidos e garbosos galos de penas cintilantes, que amiúde cantam para marcar território e protegem com maus modos e esporões afiados as poedeiras à sua guarda. Aprecio vê-los nos seus afazeres, debicando entre o arvoredo, correndo, abrindo as soberbas asas como pequenos caudilhos indispostos, belos como pavões. Reparei ontem que várias aves desta fauna rondavam um dos vários mamarrachos espalhados pelo jardim, mais concretamente um que figura uma espécie de pássaro grotesto e verde, de asas abertas, o qual, aos olhos dos galináceos, há-de assemelhar-se a um gigante ou a uma divindade. Vi as galinhas e os galos rondando aquela ridícula instalação que à noite se ilumina e imaginei que, como os homens, também eles acabarão, por assombro ou medo, inventando o seu próprio deus.