segunda-feira, 29 de agosto de 2022

A noite em que Mario Delgado Aparaín desafiou Roger Federer

 


Por um desses assombros que apenas o sonho autoriza, o Mario Delgado Aparaín, escritor de Montevideo, disputava esta noite a final de um torneio de ténis com o Roger Federer. Eu estava a assistir à transmissão televisiva sentado a uma mesa, numa roda de amigos ou conhecidos que conversavam enquanto jantavam, ou tendo já jantado, e ocorreu-me comentar que era maravilhoso que duas pessoas já com uma certa idade, como o Mario e o Federer, ainda fossem capazes de disputar a final de um torneio de ténis — sobretudo o Mario, que é mais velho e, ainda por cima, escreve livros belíssimos. O Enrique Vila-Matas, escritor de Barcelona que acaba de publicar um novo romance intitulado precisamente Montevideo, interrompia-me para discordar com veemência, considerando que o Mário não tem nada de velho, que os seus livros continuam a ser jovens e vibrantes, e referiu uma série de outros escritores que só ele conhece, os quais, tal como o Mario, continuam fresquíssimos. Eu tentei argumentar que isso não estava em causa e que o admirável naquela questão era que o Mario fosse também capaz de disputar uma final do Grand Slam apesar da idade que tem e precisamente porque está vivo ao contrário dos autores que o Enrique referia. Mas o catalão não queria saber de ouvir os meus argumentos e falava cada vez mais exaltadamente, como numa bravata de bêbado, o que me humilhou e entristeceu, na medida em que não era minha intenção menosprezar o Mario, que é um homem absolutamente gentil e cultíssimo, um extraordinário escritor, e por isso resolvi calar-me e deixar de argumentar. Decidi, enfim, abandonar o sonho e acordar. Eram sete e meia da manhã e, depois disso, recorri ao Google para ficar a saber que também o Mario acaba de publicar um novo romance, Último Viajero de la Nada, que, segundo li, trata do rompimento da comunicação entre gerações e da perda da memória coletiva às mãos, precisamente, "do doutor Google", o que, em certa medida, é também o tema do meu mais recente romance, A Última Curva do Caminho, mas que também se podia chamar O Último Viajante do Nada ou O Último Viajante para o Nada. Mas isto, como é evidente, não tem importância nenhuma, não interessa nada,  é apenas resultado de um sonho extravagante, de um dos muitos sonhos extravagantes que me ocorrem quando Agosto começa a chegar ao fim e o meu cérebro destrambelha de preguiça e ócio, por falta de actividade inteligente. Seja como for, quero muito ler MontevideoÚltimo Viajero de la Nada, o que farei logo que possível, assim que passe por uma livraria espanhola e o meu orçamento o permita, embora também gostasse muito de saber se, afinal, o Mario Delgado Aparaín conseguiu ou não derrotar o Federer naquela final do Grand Slam. Mas quero acreditar que sim. Deve ter-lhe dado uma abada das antigas.