Indiferentes à cinza dos incêndios que paira no ar, dois taxistas da postura da Avenida da Boavista conversam amenidades enquanto esperam que os turistas comecem a sair dos hotéis. Um deles rói uma maçã para matabichar. Afasta-se para deitar o caroço no caixote do lixo e lembra-se do tempo em que, à falta de fruta, os catraios pediam esse resto de maçã quando viam que alguém se dispunha a desperdiçá-lo: "Dê-me o caroço, senhor". "E era bem bom", acrescenta. Não vejo que cara põe ao dizê-lo, mas imagino que sorri, sonhador, com essa memória da meninice, do tempo em que se roíam os próprios caroços da fruta como se de uma guloseima se tratasse. Ao preço a que a fruta agora está, penso que talvez não venha longe o momento em que voltemos a saber o bom que é comer os restos da maçã dos outros.