quarta-feira, 6 de julho de 2022

Incomunicações


Ocorreu na semana passa, mas só por algumas horas, uma enorme comoção político-mediática gerada por uma decisão técnico-política que, afinal, não devia ter sido tomada e que, pecado dos pecados, não havia sido previamente comunicada a sua excelência o presidente da República. O caso foi rapidamente sanado, com puxões de orelhas para inglês ver e tudo, mas ficou no ar a evidência segundo a qual o governo que temos padece de um problema de comunicação interna (e de comunicação com o homem das selfies).

Ultrapassado o engulho momentâneo, o recente congresso do maior partido da oposição não correu, todavia, de forma a que, neste aspecto particular, se possa ter esperança numa maior eficiência comunicativa quando, e se, o governo mudar.  Senão vejamos: acabado de coroar, o novo líder anunciou, para gáudio dos canais de televisão, que iria passar esta semana inteira num concelho do interior e que assim fará, doravante, todos os meses. Realmente atenta ao que realmente importa, uma estação televisiva foi perguntar à esposa do líder se estava a par das futuras ausências do marido, ao que esta respondeu, com desarmante sinceridade, que o anúncio a apanhara de surpresa.

Esposa e líder, suponho, habitam na mesma casa e vivem em comunhão de bens e esforços, mas nem assim, portanto, ocorreu ao agora oposicionista-mor comunicar à primeira-dama da oposição uma decisão crucial e de tão grande importância, prevenindo-a, por exemplo, de que não vai tomar as refeições em casa e de que careceria de roupa engomada, coturnos e trusses lavadas, algumas gravatas, para fazer a mala e seguir para Pedrógão (Grande). Terá avisado as criadas? 

O problema de fundo subsiste, pois. Se o actual governo não comunica, o próximo, se e quando o houver, parece não cuidar muito melhor do fundamental aspecto da gestão comunicacional. Inquieta-me um pouco mais, porém, a sorte da desconhecedora consorte, e cogito se, acaso, nas longas horas e dias solitários que tem por diante, não poderá fermentar nela uma espécie de Emma Bovary.