segunda-feira, 16 de maio de 2022

Cuidar do chão


Durante os poucos dias que passei no Douro, deparei-me, a cada manhã, ao abrir as cortinas do quarto, com uma mulher curvada que trabalhava no campo, derreada a abrir regos, a semear, a regar os rebentos que um dia hão-de frutificar. Os automóveis passavam na auto-estrada, ao longe, os campanários soavam, os cães do vizinho corriam no prado a reunir as ovelhas, mas a mulher permanecia imperturbável no seu labor, nos gestos ancestrais que fazem brotar vida do chão.

Regressado a casa, à tranquilidade possível de uma sala onde permanentemente se escuta o rumor do trânsito e dos aviões, dedico agora esmeros cada vez maiores às pequenas porções de terra que, em vasos, acolhem cactos, suculentas e um antúrio que não dá flores. Vigio as folhas mortas, a humidade da terra, a inclinação do sol, mas quase exaspero de não perceber se crescem, se estão firmes nas suas raízes, se a luz da casa lhes é suficiente.

Receio, por exemplo, que morra o pequeno cacto que trouxe de um jardim sendo apenas rebento. Não sei se necessita de mais água, de mais pedras aonde afinque as raízes, se o sol da manhã lhe será benéfico. Mudo-o de lugar à procura de um sítio onde me pareça que se sente bem. Mas só posso concluir que não entendo nada dos lavores da terra e que, entre Mateus e Arroios, talvez, com todo o vagar, a mulher derreada, talvez alheia ao saber de todos os livros, se esteja já preparando para colher o milagre de um tomate.