domingo, 3 de abril de 2022

Pêras, maçãs, laranjas e livros


Levo quatro horas deste domingo acordado e já li meia dúzia de artigos interessantes na língua de Cervantes. Também saí à rua para comprar fruta, morangos, limas e maracujás, e talvez por isso me tenha detido na entrevista do El País ao escritor José Manuel Franco, ou talvez seja mais correcto dizer que comecei a ler a entrevista ao fruteiro José Manuel Franco — um tipo cuja existência ignorava, mas que me interessou muitíssimo, por ser simultaneamente vendedor de pêras e maças no mercado de Eco de la Cruz, em Madrid, e escritor especializado nas guerras romanas. Diz o jornal que é possível comprar, na banca deste Franco, pêras, maçãs do Bierzo e a história de Marco Licínio Crasso, cônsul romano, governador da Síria e especulador imobiliário responsável pelo esmagamento da revolta dos escravos liderada por Espártaco. Fantasio agora, pelos motivos óbvios, em poder sair à rua para comprar morangos, limas e maracujás e voltar a casa com o livro de José Manuel Franco, embora a melhor fantasia de todas consista, isso sim, em imaginar-me a vender fruta na banca de um mercado, se ainda existir por aí algum mercado que o seja de facto, e aviar ao mesmo tempo tangerinas e exemplares do Tropel, cerejas e A Última Curva do Caminho. Enquanto o cogito, leio que o jornalista do El País pergunta a Franco se se considera fruteiro, escritor, escritor-fruteiro ou fruteiro-escritor, e que o inquirido responde que é sobretudo um leitor aficionado da História e dedicado à fruta. "Levanto-me às quatro e meia da manhã para ir ao mercado abastecedor e termino o dia de trabalho às nove da noite. O estudo da documentação e a escrita, faço-os depois, depois de trabalhar, de tomar banho e de jantar". E depois volta à banca da fruta, um dia após o outro, para vender maçãs do Bierzo e exemplares de La Sangre de Roma