quarta-feira, 13 de abril de 2022
Abelharucos
A borrasca estiou e o céu da vila voltou a encher-se de centenas de andorinhas nos seus desencontrados vôos. Primavereja apesar do ar matinal ainda tão fresco, sadio. Volto, por isso, a pensar no par de abelharucos que no domingo cruzou os ares sobre o olival, espiralando como enleados por invisíveis fios que os estivessem unindo. O gato dos vizinhos mia um cio plangente que se assemelha às frases de um idioma incompreensível e os moços da vila juntam-se como moscas em torno do balcão da cervejaria. Regressa-me o pensamento, porém, à dança nupcial dos abelharucos atravessando o ar como assombrosas pinceladas de cor. A própria palavra abelharuco é um espanto que revoa, chilreia e zune. Penso, pois, em todos os pássaros que as crianças da cidade não podem conhecer senão das fotografias da internet ou, como eu, dos rótulos de alguma garrafa de vinho tinto — bidimensionais, imóveis e mudos. Vivos mas sem vida.