Tendo passado alguns dias alienado entre gente inteligente, escutando as palavras inteligentes que disseram e quase desligado do clamor do mundo, dos ecos que dele chegam pelos ecrãs da televisão, as notícias da invasão russa da Ucrânia chegaram-me esbatidas e distantes durante os primeiros dias. Da varanda do hotel, olhando o horizonte, o mar continuava enrolando-se em sucessivas e belas vagas verdes, os cães passeavam os donos na marginal, o bar do hotel enchia-se de uma gente animada e as coisas do mundo pareciam regulares e indiferentes a qualquer abalo. A guerra é lá longe, havíamos de pensar todos, ainda que nenhuma distância seja suficientemente segura para manter afastada a estupidez da morte, do poder, da destruição e da barbárie. As imagens que agora vejo evocam a memória de todas as guerras, as de África e as do Médio Oriente, as dos Balcãs e as da Ásia, as da velha Europa, com os seus refugiados e as ruas cobertas de destroços, o medo nos olhos das crianças e a bravata de alguns, que sempre hão-de trazer o mundo em tumulto, em pânico, em ebulição. Os séculos passam, as modas mudam, os comboios modernizam-se, mas a espécie parece incapaz de aprender as lições essenciais da História e repete os mesmo erros, a mesma tragédia, o mesmo infinito horror. Desta vez, ao menos, os refugiados são brancos, são eslavos, são bons trabalhadores, e não parece haver quem não queira recebê-los de braços abertos, ao menos para já. Mas nunca se sabe o que está para vir.