segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Banhos de cultura












Pratico às vezes, com a circunspecção possível, uma espécie de mergulho invisível nas ruas da minha cidade, misturando-me com os turistas a caminho dos seus e dos meus afazeres. Escuto distintas vozes, distintos idiomas, vejo-os fotografarem-se em poses de instagram, filmarem-se ao cruzar a ponte, e percebo muitas vezes o que dizem, ainda que, na maior parte dos casos, não digam nada — exclamam a própria excitação da viagem.

Em algumas ocasiões, cruzo-me também com outros portugueses, cuja condição turística ou passeante se depreende com relativa facilidade, por dizerem coisas divertidas e toscas como "Vamos ao Piolho que é cultural". E vão ao Piolho, pois, provavelmente para descobrirem que o Piolho é apenas um café e uma esplanada igual a tantos cafés e esplanadas deste país de cafés e esplanadas, apenas distinto por existir há muito tempo e por lá ter ficado o testemunho de sucessivas gerações de doutores cinzelado em placas de pedra que eternizam erros de sintaxe, de gramática e de pontuação que nem os mais doutos doutores conseguem, pelos vistos, evitar, nem disto se envergonham especialmente.

Outros portugueses e portuguesas passeantes, decerto mais atentos à coisa social, à essência mesma das civilizações, transitam constatando que certas pessoas "também não têm o hábito de tomar banho como nós". Ignoro a que cultura, etnia ou raça se dirigia a inteligente observação. Não tenho ideia, porém, de terem sido os portugueses pioneiros na prática de algum tipo de higiene, de banho, de lavagens ou de abluções, de alguma prática, enfim, que faça de nós um povo mais limpo do que qualquer outro. Mas para sabê-lo seria preciso um outro banho de cultura que não se limitasse à fruição da cultural esplanada do Piolho ou das longas filas para ir fotografar uma livraria sem que, alguma vez, se pretenda ler uma só linha de um livro.