Fidelíssimo que sou ao princípio segundo o qual a mordida do cão se trata com pêlo do próprio animal, prescrevo-me, por exemplo, um almoço de feijoada para recuperar do enfartamento causado pela feijoada do jantar na véspera, ou, digamos, um J&B reserva de 15 anos para curar a ressaca do ruim Cutty Sark da noite passada. Enquanto cogito nisto, ocorre-me que ninguém me devolverá agora as tardes de Julho que passei no nosso sótão, correndo o Tour de France em sameiras quando podia perfeitamente estar a ler Júlio Verne (ou a apanhar sol e a ver catraias em biquini na Praia Moderna). Mas como tratar agora, tantos anos depois, aquele abuso de Bernard Hinault e Laurent Fignon? Durante uma parte considerável do ano, socorro-me, ainda prosélito do princípio atrás enunciado, das longas maratonas de ciclismo do Eurosport, empachando-me de Tadej Pogacar e João Almeida, de Wout van Hart e Mathieu van der Poel, e acordo e adormeço enquanto eles cruzam montanhas e lameiros, vencem o Stelvio e os Apeninos, longe da Praia Moderna e imaginando, seja como for, todo o Verne que não li e todas as raparigas em biquini que não vi em devido tempo: antes de que a nostalgia e a idade viessem condensar-se numa garrafa de uísque. Mas que fazer quando, acesa a televisão, o Eurosport não tem para oferecer mais do que as carambolas de um campeonato de snooker ou os saltos dos rapazes voadores do trampolim de Bischofshoden? Esta tarde, por exemplo, escrevi um post. Podia ter-me dado para pior.