"De tempos a tempos — escreveu Julio Cortázar — Lopez não tem outro remédio senão voltar a trabalhar, porque descobriu que o dinheiro tem uma desagradável propensão para ir desaparecendo". Sendo, tal como o imagino, um valente cronópio, Lopez talvez se tenha perguntado alguma vez — mas não em voz alta, para que não julguem que está maluco — se tem mesmo de ser assim.
Pondo de lado a simples necessidade imediata, as interessantes reflexões do nihilismo sobre o assunto e as teorias psiquiátricas que dele decorrem, qualquer indivíduo beneficiaria bastante com este exercício, fazendo a si mesmo aquela pergunta — tem mesmo de ser assim? — e entretendo-se, dez minutos que fosse, a imaginar uma realidade alternativa em que as coisas não tivessem de acontecer tal como as conhecemos desde que começou a ser assim.
Quero dizer: do ponto de vista do animal que nasceu sem ter sido ouvido a respeito da oportunidade da sua existência no mundo material, que sentido faz, afinal, trabalhar para gerar lucros a outrem, tratando depois de consumir o escasso produto desse labor a adquirir os produtos e serviços produzidos por outros trabalhadores a fim de apenas multiplicar os proveitos dos proprietários dos meios de produção?
Ouvirão, de certeza, dizer que se deixem de excentricidades e que aceitem as coisas tal qual são, pois não é possível que sejam de outra forma. Ainda assim, experimentem — nos dez minutos antes de adormecerem para descansar ou nos cinco minutos que passam na casa de banho. Façam por imaginá-lo. Pode ser que continue tudo na mesma, é até o mais provável, mas tentem. Talvez descubram que é possível, ao menos, beneficiar de alguns instantes em que são completamente livres, nem que seja intimamente, secretamente, dentro da cabeça, durante os quais nenhum patrão controlará o rumo da vida de cada um.