quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

A luta de classes explicada no 203









São nove e meia da manhã e o autocarro da carreira 203 arranca da paragem da Rotunda da Boavista muitíssimo composto, sem espaço, portanto, para a prática de qualquer tipo de distanciamento social, por pouco que fosse. Vamos conforme calha, procurando não matutar demasiado na omicron, na deltacron, na ipsilonxiszê ou na eficácia efectiva do uso de máscaras sociais, médicas e cirúrgicas na contenção dos vírus respiratórios. Uma passageira, acabadinha de entrar, constata o óbvio ululante:

— Ui, que cheio.

— E para a semana é que vai ser, quando acabar o teletrabalho, diz outra.

— Achas?!, volve a primeira, irónica. Quem está em teletrabalho tem carro, é tudo chique.

Cogito que Marx não o terá explicado melhor enquanto o veículo arranca. Os corpos balançam suavemente e um carrão atravessa-se à frente do autocarro para virar à direita. O motorista buzina e trava a fundo para evitar a colisão — e aí vamos nós, desculpe, desculpe, desculpe, não me consegui segurar a tempo, partilhando todos os vírus, os reais, os imaginários, os sociais e os económicos. O filho da puta do Volvo acelera e já vai longe.