segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O ordenado é mínimo. A decência nem por isso.









A desfaçatez que para aí vai. 

O bando que se auto-denomina Iniciativa Liberal, avesso a quem trabalha para que uns poucos enriqueçam, aproveitou há dias o (demasiado generoso) tempo de antena que lhe é concedido pelos canais de televisão para defender o fim de um ordenado mínimo nacional, o qual seria substituído por um ordenado mínimo municipal, estabelecido por cada uma das 308 câmaras do país. 

Consegue imaginá-lo? 

Um presidente de câmara apostado em proporcionar algum conforto aos seus munícipes fixa, por exemplo, um ordenado mínimo de 900 euros (que para pouco dá). O concelho do lado, para atrair investimento, decide fixar o ordenado em 750 euros. O seguinte, ainda mais competitivo, estabelece-o em 600 euros. E não tardaria muito para que os trabalhadores estivessem outra vez a ganhar 400 euros por mês em unicórnios com grandes lucros e enorme cotação na bolsa, principescamente instalados no concelho que ofereça salários mais baixos. Ou até nenhum salário.

O "jornalista" que registou esta selvajaria não confrontou o selvático líder da IL com o óbvio, nem me apercebi de que os ditos líderes de opinião a tenham problematizado, provavelmente convencidos de que o Cotrim lhes convém ou de que aquilo que ele diz não é para ser levado a sério. Mas o perigo é real. Num cenário macabro em que o PSD de Rui Rio vence as eleições, o IL pode muito bem acabar no governo, impondo (sem grande esforço) aquela selvajaria indecente aos seus libérrimos aliados.

Não o escrevo de ânimo leve, porém. Ainda há dias vi o anúncio de um projecto de comunicação que requisitava jornalistas para produzir informação "independente", "rigorosa", "de excelência e qualidade", aos quais se propõe não pagar um único tostão durante, pelo menos, o primeiro ano de actividade. É o paraíso liberal em marcha. A indecência pura transformada em desfaçatez e programa político.

Já dizia a cantiga: "Batendo as asas pela noite calada/Vêm em bandos com pés veludo/Chupar o sangue fresco da manada".