segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

A luz que se põe na mesa


Pelo menos desde 1 de Abril de 2013 que o fotógrafo Daniel Blaufuks fotografa (e publica no instagram) uma mesa e uma janela, parte de uma série a que, na esteira de Georges Perec e Enrique Vila-Matas, chamou Tentativa de Esgotamento. Na primeira dessa imagens, assentava sobre a mesa um candeeiro, um livro, um envelope e um copo. Na mais recente há uma tigela, um guardanapo laranja, um telemóvel com o seu carregador, uma maçã e um artefacto que talvez seja um açucareiro ou um bule. No parapeito da janela com vidros martelados antigos estão dois elefantes de plástico. Ao longo deste quase nove anos já passaram pela mesa jarras de flores e folhas de negativos, algumas pessoas, copos e jornais, outras e diferentes tigelas, toalhas, livros, óculos, papéis, uma menorá, copos diversos e molas da roupa, um globo de vidro, caixas de pastéis, uma romã, embalagens de detergente, sacos de ameixas, postais ilustrados, os elefantes de plástico, pacotes de leite dos Açores, um limão, um saco de laranjas, um computador portátil, um vaso de manjericão, restos de piza, pratos de arroz e garrafas de vinho, revistas meio lidas, um cubo vermelho, uma garrafa de cerveja e cascas de laranja, um frasco de picles e um quarto de queijo brie, a noite, a manhã e a luz verde da madrugada. Por ali passou sobretudo, ou assim me parece, o tempo lento que transcorreu entre a primeira e a última das fotografias e também uma espécie de melancolia e a luz concreta que, um dia após o outro, se põe sobre a toalha da mesa — singular e inesgotável.