Regressei pela manhã, à hora sossegada das abluções, à leitura de A Volta ao Dia em 80 Mundos. E logo no segunda página reencontrei a seriedade, instituição a que Cortázar se refere chamando-lhe "essa senhora demasiadamente tida em conta": um sério empecilho, afinal, a que certas pessoas se atrevam a divertir-se no decurso de actividades que se considera devedoras de tributo à referida dama. Procuro, pois, mostrar-me circunspecto e grave, fazendo-me fotografar com óculos de aros redondos e, sempre que possível, com uma gravata triste a condizer, para que não se diga que tropeço em ligeirezas ou que não me curvo perante sua excelência veneranda a seriedade (que imagino pálida e magra, tão austera como um banco de igreja, talvez bulímica, talvez achacada de gota). Triste senhora. Faço por me comportar, por parecer distinto e sério, e agrido-me intimamente e prendo as mãos nos bolsos para que não devaneiem à sua vontade nem cedam à tentação de se exibirem livres como pássaros fugidos da gaiola. É quase certo, porém, que faça o que faça me trairei cedo ou tarde, pois algo de cronópio devo ter em mim que me domina e desconchava. Sorrio por trás dos óculos de aros redondos, zombeteio apesar da gravata triste e enredo-me frequentemente em quimeras, disparates e informações sem interesse absolutamente nenhum, desde logo perdendo tempo a escrever textos de tão pouca gravidade como aqueles que neste blogue podem ler-se. Dona seriedade volta-me as costas e ignora-me, passa por mim e finge que não me vê, ergue o nariz petulante e julgo que o faz porque lhe não cheiro de forma conveniente. Não posso, assim, estar mais longe de cair nas suas boas graças ou de merecer o favor de um gesto seu que me redima aos olhos do mundo. Ninguém dirá: ali está um ungido da seriedade, um homem grave como deve ser. Na melhor das hipóteses, parecerei adequado a figurar em tontas tragicomédias.