quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Virtualidades









Fui — meio por curiosidade, meio por amizade — ver uma exposição de cripto-arte. Tratava-se, no essencial, de uma fileira de televisões que transmitiam em loop seis pequenas animações coloridas. Segundo me explicaram, os ficheiros informáticos que geravam as imagens podem ser adquiridos numa plataforma electrónica por qualquer indivíduo que possua cripto-moedas numa cripto-carteira. Depois o cripto-proprietário pode desfrutar da cripto-obra exibindo o ficheiro encriptado num display ou auto-comprazendo-se com a possessão. Parece que a coisa está na moda e que há gente a ganhar dinheiro a comprar e vender esta "arte" desmaterializada. 

Ao fim de alguns segundos a fixar as hipnóticas cripto-obras, reparei que o meu cérebro principiava a adormecer, como liquefazendo-se e desmaterializando-se também, a caminho de se transformar num cripto-bestunto. Que coisa engraçada é a contemporaneidade, pensei — e pouco depois, na esplanada do Piolho, fui abordado por duas mulheres em menos de meio minuto, as quais pediam alguns cêntimos concretos que lhes permitissem, ao menos, comer qualquer coisa material, consistente e verdadeira (enquanto não inventam as cripto-sandes de fiambre).