A pornografia é uma arte com infindáveis declinações. Os mais tradicionalistas comprazem-se, por exemplo, protagonizando ou testemunhando práticas e artefactos de índole sexual. Há igualmente quem tenha a desventura e o mau gosto de acreditar que o sujeito barbado cujo nome nunca escrevo vai, um dia, pôr ordem nesta bandalheira (embora não seja sequer capaz de controlar o único deputado do seu partido no parlamento açoriano). E depois há os mirones (aqueles que, segundo os dicionários, "sentem prazer na observação, às escondidas, de cenas íntimas ou eróticas levadas a efeito por outras pessoas").
Dada a natureza furtiva e encoberta da actividade a que se dedicam, é relativamente raro surpreender os mirones em pelo labor. Parecem, por isso, ser tão raros e esquivos como os muflões ou, vá lá, os unicórnios, embora também seja possível que a espécie esteja ameaçada de extinção e vá sendo tempo de a National Geographic arregaçar as mangas e realizar um documentário decente, que mostre como nasce, come, caça, procria e morre um mirone como deve ser.
Dito isto, e não pretendendo vangloriar-me, declaro ainda que vi há dias, com estes dois que o fogo há-de consumir, um bom velho mirone em plena acção venatória, espiando um casal que estendeu a toalha dos piqueniques no Jardim das Virtudes e não achou melhor ocupação do que amar-se ali mesmo, debaixo da frondosa copa do antiquíssimo ginkgo cujas folhas principiam a amarelecer. Da primeira vez que passei, o venerável idoso estava escondido atrás do enorme tronco da árvore, a não mais de três passos do casal, provavelmente vendo e escutando o que diziam o moço e a moça, e se calhar também o estralejar dos beijos e os seus mais íntimos suspiros. Pouco depois, a caminho da saída, percebi que o vetusto mirone decidira variar a perspectiva: mudara-se para um patamar superior do jardim e podia observar panoramicamente os dois pombinhos. Não sei quanto tempo ali esteve, mas suponho que há-de, por fim, ter sido visto pelo casal e disfarçado, talvez fingindo analisar as folhas do ginkgo com algum propósito científico. Quanto a mim, fui à minha vida, comprazendo-me intimamente por ter conseguido mirar um mirone.