O Germano Silva faz hoje 90 anos (e quem ainda não souber quem ele é está condenado a ser um irremediável ovo podre). Custa, contudo, acreditar que a cronologia comum esteja certa ou se lhe aplique com tanto rigor. Vendo-o mover-se e sorrir, sentindo a força do seu abraço e ouvindo-o contar as histórias de que, a cada passo, se lembra, não se lhe dá mais do que, eu sei lá, 60 ou 70. Esteve na apresentação do meu Tropel, há um ano, e achei-o com a vitalidade inesgotável de um moço. Talvez por isso, creio que passou uma parte da pandemia a telefonar aos amigos para se inteirar dos respectivos estados anímicos ou de saúde — e a contar-nos mais histórias, claro. Passámos, nessa altura, perto de uma hora ao telefone. Mas sabe-me sempre a pouco. Se lhe peço para autografar um livro seu que pretendo oferecer a alguém, faz-se imediatamente presente e tomámos café na Baixa depois de passarmos pelo alfarrabista da Académica, onde mantém conta aberta. Parece-me frequentemente impossível que o Germano exista de facto e passeie pelas mesmas ruas onde os outros mortais transitam. É um milagre ser seu contemporâneo, poder ouvi-lo e aprender com ele — uma enciclopédia com dois pés que, por isso, se tornou doutor honoris causa sem ter, creio, andado numa faculdade. Estou convencido, aliás, de que encontrou um modo discreto de driblar a passagem dos anos e que, um dia destes, acabará por ir ao meu funeral contar sobre mim coisas de que nem eu me lembro. Hoje sai para as livrarias um novo livro seu, Porto, as histórias que faltavam. Era o que faltava que o não fôssemos ler imediatamente.