Uma das mais arreigadas práticas recreativas da vila costuma ser descrita pelos indígenas com a expressão "mamar molho". Significa, grosso modo, andar pela Carreira de Cima a consumir consecutivas tacinhas de tinto ou minis, às vezes de forma combinada.
Certos grupos mamam molho de forma gregária regular, como o notável "esquadrão da morte"; outros colectivos formam-se de modo relativamente aleatório ao fim das jornadas de trabalho, à porta dos cafés, nas esquinas, na Casa do Benfica (os atletas desta prática ancestral são maioritariamente benfiquistas). Às sextas, dia de feira na vila, é habitual que as hostilidades se iniciem mais cedo, logo durante a manhã, aproveitando a presença dos agricultores dos arredores. Não é incomum que os iniciados se demorem, entre inúmeros outros assuntos, a discorrer sobre a má qualidade geral do vinho servido nos botecos. Seja como for, bebem-no à mesma. Outros, provavelmente mais abastados, exercitam-se na cervejaria da vila, onde servem néctares de qualidade razoável e em "bons copos".
Alguns profissionais da arte mantêm o compreensível hábito de falar alto de mais. É, deste modo, possível ouvi-los elucubrar vivamente sobre as vantagens sociais de mamar molho e, outrossim, sobre as ambições mais profundas dos membros do clã. Ontem, às primeiras horas da noite, um dos mais ruidosos praticantes da ancestral arte declarava, por exemplo, que estar ali com dois amigos a mamar molho era a maior felicidade que tinha na vida. E acrescentava: "Ó senhor Manuel, um dia destes hei-de andar consigo a beber tintos das oito da manhã à meia-noite". Não cometi a indiscrição de o confirmar visualmente, mas sou capaz de jurar que pressenti uma lágrima furtiva aflorando aos olhos deste bom homem, amigo do seu amigo.