Ocorre-me com certa frequência, quando estou em Castelo de Vide, abeirar-me dos pedaços da antiga muralha junto dos quais costumam estar a pastar os sadios rebanhos dos arredores da vila. Procuro não tanto a visão concreta e lanuda das ovelhas e das cabras, o seu jeito alorpado de vigiar quem se aproxima, antes a toada apaziguadora, misteriosamente harmónica, dos chocalhos que os animais trazem presos ao pescoço.
Ouço agora os mesmos chocalhos, às vezes, também entre as urbanas árvores da minha rua, badalados por dois grandes cães castanhos que arrastam uma mulher pelo passeio a caminho das suas evacuações matinais e vespertinas. O escasso rebanho dos canídeos levados pela trela não interpreta, porém, senão uma muita pálida imitação, monótona e triste, das alegres badaladas que a transumância diária dos ovinos e caprinos oferece a quem se detenha para escutar e respirar o ar límpido que se eleva dos olivais que cercam Castelo de Vide. Mas o simples soar das campânulas metálicas dos dois cães é suficiente para que em mim desperte a saudade daqueles dias mais suaves, mais amenos, que a cada passo me convocam a sair à rua para caminhar sem rumo e ir ouvir a voz das pessoas, o balido do gado, o grasnar das cegonhas na torre da igreja e o som que a brisa produz nos galhos das árvores.
Faz toda a diferença o puro silêncio que estes ruídos ajudam a compor: na cidade, ao circular na via rápida dos apressados, vislumbro às vezes, entre as nesgas do trânsito, um rebanho de ovelhas pastando no que sobra de uma vida antiga e quase invisível, mas nunca escuto os seus chocalhos, os seus balidos, sequer quando passo correndo pelos campos que marginam a auto-estrada. Apenas se ouve o basqueiro áspero que produz a transumância diária das manadas dos automobilizados a caminho do ramerrão que nos mantém amodorrados, indiferentes, como vazios ou néscios.