Tenho-me cruzado quase todos os dias, a caminho do metro, com um carro funerário descaracterizado (é obviamente um veículo destinado a transportar cadáveres — escuro, largamente envidraçado, com a caixa de carga ampla, à medida certa de um caixão —, mas não está identificado como tal). Já tem sucedido que o carro esteja cheio de caixas de cartão de diferentes estabelecimentos comerciais, o que me levou a supor que o condutor, à falta de enterros, se dedica a fazer entregas ao domicílio de compras online, tão em voga graças aos confinamentos pandémicos. Mas também o acho frequentemente vazio, estacionado no meu caminho, como à espera com toda a paciência do mundo. Não me inquieto e até acho graça. O artista Ai Weiwei declarou há dias que já comprou em Portugal o jazigo em que será sepultado. Eu, de cada vez que vejo o carro funerário descaracterizado à minha espera, imagino que alguém muito meu amigo, preocupado com o meu bem-estar, já tomou providências no sentido de me poupar a ter de descarregar a aplicação informática que me permitirá, no futuro, chamar e pagar o TVDE que me há-de levar.