Um indivíduo pode passar a vida perdendo tempo a ler livros, a acumulá-los em todos os cantos da casa, velando-os como a objectos preciosos e íntimos, e nem assim deixar de ser profundamente ignorante. Só há pouco tempo, por causa de um filme que vi por acaso, me apercebi de que o romancista norte-americano Thomas Wolfe e o romancista norte-americano Tom Wolfe não eram a mesma pessoa — talvez porque o primeiro é quase desconhecido em Portugal (não fui capaz de encontrar qualquer tradução ou edição dos seus livros, de Look homeward, angel ou de Of time and the river, por exemplo), embora tenha lido nos últimos tempos vários textos (de Faulkner, Piglia ou Vila-Matas) que o elogiam a ele e à radical desmesura obsessiva da obra que deixou. Mas é possível, ao fim e ao cabo, que Thomas Wolfe fosse capaz de me aborrecer tanto quanto Tom Wolfe me aborreceu, demonstrando que a ignorância patibular de certos leitores é uma ciência relativamente exacta e difícil de contrariar. Por muito que um asno se esforce por alcançar ilustração e cultura, há-de levar os anos zurrando e teimando em não sair do lugar.