quarta-feira, 19 de maio de 2021

A inútil educação dos pássaros









Um filho, quando nasce, tem alguma coisa de pequena ave frágil que é preciso alimentar no bico. Depois chega ao momento em que se espera que seja capaz de voar sozinho. Entre os humanos, convencionou-se, com algum mérito racional, que a educação constitui um modo relativamente eficaz de proporcionar aos pássaros do futuro as asas que mais tarde abrirão para traçar o seu próprio rasto nos céus de Maio. Mas talvez seja tudo inútil.

Esta manhã, no metro já composto pelo desconfinamento, ouvi acidentalmente um pedaço da conversa de três adolescentes a caminho da escola. Diziam que os colegas da turma de Inglês eram quase todos apoiantes do racista inominável (se não sabeis de quem estou a falar, tanto melhor: é sinal de que estais a proceder com sabedoria em pelo menos um aspecto particular dos vossos quotidianos). Ou seja: os tais colegas vão à escola, aprendem História e outras matérias mais práticas, são testados e provavelmente aprovados, mas continuam tão cegos e manipuláveis como os ignorantes da Idade Média e das trevas, dos autos de fé e do holocausto.

Na opinião das raparigas do metro, que hão-de ser a excepção de uma regra qualquer, a adesão dos colegas à hipocrisia fascista e racista, à mentira mais descarada, à manipulação, dever-se-á à influência dos respectivos progenitores. A ser verdade, significa isto que as aves adultas estão cortando as asas dos pequenos pássaros antes mesmo de lhes mostrarem como se faz para voar, tornando inútil toda e qualquer instrução que venham a receber. 

Ou talvez não: amputados e estúpidos, os petizes não deixarão de beneficiar de um sistema de ensino descerebrado, acrítico, desmemoriado e permissivo para tirarem os seus canudos e acabarem sendo os doutores e engenheiros que perpetuarão a intolerância, a exploração, o mexerico, a sacanice, o oportunismo e a hipocrisia. Lucrarão com isso, decerto. E o lucro é, afinal, a única coisa do mundo que parece ter algum valor.