Um dos mais extraordinários insultos da vasta e rica colecção do capitão Haddock é "Mussolini de Carnaval", surgido no álbum Tintim e os Pícaros. Quase cinquenta anos depois (e quase oitenta desde o fim do pesadelo fascista italiano), a expansão da nova extrema direita (europeia e não só) tem assentado num conjunto de figuras que fazem simultaneamente lembrar a metralhadora de insultos da banda desenhada de Hergé e os seus mussolinis de Carnaval — embora esta característica não deva fazer perder de vista o perigo que representam; Hitler e o duce original não primavam também pela compostura ou pela circunspecção, mas a humanidade demorará muito a recuperar de todo o mal que engendraram.
Semiótica à parte, a estratégia dos novos fascistas — que têm a particularidade de constantemente tentarem negar o que são — tem, assim, passado pela criação de um circo mediático assente, por um lado, no pântano das redes sociais onde medram todos os miasmas sociais (e ocasionalmente uma rara flor) e, por outro, numa torrente de insultos e mentiras destinada a provocar a reacção dos visados e, desse modo, a aumentar a visibilidade e repercussão de qualquer iniciativa ou traque político. Curiosa e lamentavelmente, as forças democráticas têm caído de forma demasiado dócil nesta armadilha, amplificando de modo estridente o habitual berreiro destes fascistas (cujos nomes me recuso a reproduzir).
O novo trogloditismo político tem ainda beneficiado em grande medida da atração do novo jornalismo (chamemos-lhe assim por facilidade terminológica) pelo chavascal, pelo ruído, pelo barulhinho inconsequente — e, já agora, pelo próprio abismo. Os ditos repórteres correm em rebanho e babam-se com as mais rasteiras manifestações dos mussolinis de carnaval, amplificando a imundice e submetendo-se, primeiro, à agenda dos fascistas e, logo a seguir, ao insultos que os fascistas lhes dirigem. No dia seguinte, não obstante, repetem tudo outra vez, com uma candura própria de alguém acabado de sair do infantário e que não tenha a noção exacta do tipo de sentimento que um fascista nutre pelo jornalismo livre, democrático e independente.
Não é fácil evitar que indivíduos boçais e ignorantes acreditem em tudo o que lhes dizem, mesmo quando lhes digam hoje o exacto oposto daquilo que ontem haviam sido convencidos a tomar por verdade absoluta. Trata-se de um problema de ordem religiosa e, como se sabe, não é possível modificar ou anular as crenças alheias recorrendo a argumentos racionais, pelo simples facto de a razão não ser aqui tida nem achada. Os jornalistas, porém, bem como os órgãos de comunicação social que representam e os líderes políticos dos partidos democráticos, podiam dar-se ao respeito e fazer das acções de campanha dos fascistas uma cobertura que se limite ao conteúdo e ignore o ruído criado com o único propósito de criar as condições para pôr em causa as liberdade e garantias em que a prática jornalística tem assentado. Ficava-lhes bem e evitavam que, um destes dias, correndo a coisa mal, possam vir a ser acusados de conivência com o próprio fim do jornalismo livre e da democracia ela mesma.