terça-feira, 27 de outubro de 2020

Um quintalzinho na Lua

É muito bem visto. À medida que a vida na Terra se torna insuportável, tantos são os perigos à solta e as restrições à livre circulação das pessoas desapossadas — os ricos sempre encontram modo de se movimentar à vontade entre os melhores resorts do mundo —, a NASA cumpre regularmente a formalidade de anunciar a existência de água na Lua (ou em qualquer um dos distantes planetas que parecem, ainda assim, ao alcance da imaginação humana ou da urgente necessidade de nos pormos a mexer daqui para fora). Bestialmente entusiasmado, ponho-me a imaginar o dia em que poderei beber um copo de água na Lua ou, vá lá, em que será possível desinfectar as mãos esfregando-as bem com sabão macaco lunar e com o raro líquido que brotará do romântico calhau branco. Sei muito bem, todavia, que não é para lavar a cara que os terráqueos mais ambiciosos investigam a eterna noite da Via Láctea ou os mais mínimos rumores aquáticos do nosso satélite natural. Tendo já tomado posse e loteado os mais distantes recantos da Terra, os donos disto tudo aspiram também a conquistar os planetas que possam ser capazes de alcançar, dividindo e distribuindo a sua propriedade em sumptuosas cimeiras e deixando a populaça a sonhar com a quimera, ao menos, de um quintalzinho bucólico num desses faroestes cósmicos. Para que tudo seja perfeito, só falta que a Nokia termine as obras da rede móvel lunar, imprescindível para que os humanos deslocados para servir os senhores da Lua e dos 79 satélites de Júpiter possam continuar a postar filminhos parvos nas redes sociais.