A lista dos títulos dos filmes da saga 007 oferece várias possibilidades interessantes, como "Vive e deixa morrer", "O mundo não chega", "Morre outro dia" ou "Sem tempo para morrer". Optei pela vaga ironia de "Só se vive duas vezes" por nenhuma razão em especial, ou, se calhar, por haver algo na vida e na alegada morte do milionário Sindika Dokolo que parece particularmente adequado ao enredo de uma história de espionagem internacional ao jeito daquelas que obrigam à intervenção, com licença para matar, do agente ao serviço de sua majestade em praias paradisíacas de águas cálidas. Investigado por ter lesado o estado angolano em milhões de dólares, coleccionador de arte benemérito e mercador de diamantes, entre outras actividades conhecidas e desconhecidas, o empresário terá morrido afogado a praticar mergulho no Dubai, onde vivia à grande e à francesa — onde vivem à grande e à francesa, e sem que ninguém os aborreça, traficantes, terroristas, gangsters, mafiosos, corruptos, banqueiros e outros criminosos internacionais, alheios a todas as pandemias, isentos dos efeitos das variações do produto interno bruto dos mais variados países e indiferentes à multidão de famélicos, desgraçados e mortos sobre a qual construíram as respectivas fortunas. Se é verdade que realmente morrem e as notícias do seu falecimento não constituem uma mera formalidade na transição para a sua segunda vida num sítio onde os incomodem ainda menos, os ultramilionários do Congo ou de Paris, de Bruxelas ou de Luanda, de São Paulo ou de Pequim, de Moscovo ou de Londres, de NY ou de Tóquio, não devem conseguir transportar consigo nenhum dos milhões, nenhum dos automóveis de luxo, nenhuma das mansões que copiosamente acumularam. É apenas um pouco lamentável que nem sequer exista um inferno de verdade, para onde sejam encaminhados a fim de acertarem as respectivas contas. E que tudo continue, afinal, exactamente na mesma: os pobres cada vez mais indigentes e os herdeiros dos ricos cada vez mais filhos da puta.