Eu ainda sou do tempo em que a autoridade nacional de saúde instava os portugueses a não usarem máscaras para se protegerem da Covid, uma vez que o inestético adereço, segundo a DGS, induzia "uma falsa sensação de segurança". Agora, depois do crash provocado pelo confinamento obrigatório, a única coisa que interessa é que a vida continue a qualquer custo, nem que para isso a populaça tenha de ser obrigada a sentir uma segura imaginária.
As máscaras, estava-se mesmo a ver, vão passar a ser obrigatórias também ao ar livre. E, claro, a contravenção vai dar direito ao pagamento de uma multa suficientemente persuasiva. Na apresentação da medida, o primeiro-ministro esclareceu que o uso será obrigatório "com o óbvio bom senso de só nos momentos em que há mais pessoas na rua". Ora o "óbvio bom senso", para além de estar muito mal distribuído entre a população, constitui um conceito fluído e nem sempre fácil de traduzir em termos jurídicos. Basta ver, por exemplo, que a velocidade máxima de circulação nas auto-estradas não varia de acordo com o bom senso, o número de veículos em circulação na via ou as condições meteorológicas.
A medida é, pois, bastante discutível, desde logo por tornar necessária a reunião simultânea, à partida, de pelo menos dois tipos de bom senso: o do cidadão mascarado e o dos agentes da autoridade que terão de fiscalizar o uso do atavio.
Sobre o segundo grupo, o policial, recairá ainda, refira-se, uma dificuldade adicional. Como se lhes não bastasse já terem de fiscalizar o uso de máscaras em toda a parte (e o respectivo bom senso), zelar pela ordem pública, perseguir criminosos e controlar os paisanos que atiram beatas para o chão ou que atravessam a rua fora das passadeiras para peões, os agentes da autoridade terão também de garantir que todos os velhacos cidadãos estão a usar a aplicação Stayaway Covid, conforme prescrito.
Pela parte que me cabe, procurarei simplificar a tarefa dos polícias sem mãos a medir para tanto trabalho: impecavelmente mascarado, sempre que vierem fiscalizar-me erguerei ambas as mãos em sinal de rendição e assegurarei, alto e bom som, que não possuo um telemóvel nem uma Colt M1911.