quinta-feira, 26 de março de 2020

Ansiedade

A ansiedade, pois. Estou oficialmente constipado e temo, por isso, sair à rua e ser interceptado pelas autoridades, identificado, multado e recambiado para o local ermo onde estarão internados os suspeitos de covid, gemendo como as almas penadas do inferno nos trípticos de Bosch. Pinga-me o nariz e apenas me apazigua saber que fui ainda a tempo de adquirir num supermercado uma garrafa de péssimo whisky de marca branca, produzido não sei onde na Escócia, talvez com cereais de verdade ou aguarrás. Devia, em todo o caso, ter desconfiado quando o homenzinho que me seguia na fila para a caixa comentou, provavelmente convencido de que o não escutaria, que é muito bom desinfectar as mãos com whisky. Pode ser que chegue a experimentá-lo, de modo a poder erguer diante do rosto, em minha defesa, um par de mãos pulcríssimas e incapazes de transmitir miasmas ao comum da população. Entretanto bebo o whisky tão ruim e recordo-me das palavras de Tongoy, a personagem de Vila-Matas, quando refere a existência de uma cidade localizada numa colina a sul de Oz, a sul da estrada dos tijolos amarelos, para onde vão viver os habitantes de Oz que "manifestam sintomas de se transformarem em choramingas", preocupados com perigos imaginários e "obcecados com os desastres que poderiam acontecer se o que imaginam se chegasse a verificar". Inquieto, ansioso e desassossegado, e também um pouco pessimista, constato que me esqueci de comprar limões para o suadouro que me cura as maleitas respiratórias. Em compensação, porque alguma coisa boa hei-de ser capaz de fazer, trouxe do supermercado papel higiénico suficiente para limpar todo o muco que me escorre do nariz.