terça-feira, 22 de janeiro de 2019
McJesus e o ar dos tempos
Os dicionários definem a intolerância como a "recusa da liberdade de opinião ou crença". Ser intolerante é, todavia, um pouco mais do que isso. É negar ao outro a liberdade de ser diferente.
A defesa da liberdade e da tolerância constitui hoje algo que vai contra o ar do tempo, em que tudo parece convergir para a criação de um clima de ódio, engano e manipulação que abra caminho a sabe-se lá que monstros. Mas, se há alguma coisa pela qual valha a pena lutar e perder algum tempo, esta é a mais importante de todas.
O caso da exposição no Museu de Haifa, em Israel, da escultura McJesus, do finlandês Jani Leinonen, é, neste aspecto, particularmente significativa. Após seis meses sem provocar qualquer celeuma, a obra foi descoberta no início do ano pela tropa imbecil das redes sociais, a qual criou um movimento radical fundamentalista cristão contra a sua exposição. A obra acabou por ser retirada do museu, não por força da intervenção dos proto-terroristas católicos, mas porque o autor de McJesus faz parte de um movimento de boicote a Israel, relacionado com intolerância do estado judeu para com os muçulmanos.
Da liberdade de um museu expor uma obra que considera artisticamente relevante ao direito de um artista a criar livremente, passando pelo direito dos imbecis das redes sociais para se escandalizarem ou pela liberdade de não expor num país que se arroga ao direito de excluir e maltratar uma parte dos seus habitantes por motivos étnicos, o caso McJesus pode bem ser uma espécie de parábola da morte da liberdade de expressão, tragicamente caída aos pés da libertinagem intelectual e da intolerância autorizadas pelas ferramentas tecnológicas que paradoxalmente haviam de ter aberto caminho a uma liberdade de expressão sem precedentes na história da humanidade.
Se McJesus não me incomoda absolutamente nada e, por isso, não me custa nada defendê-lo, não devo concluir esta breve reflexão sem esclarecer que, não apreciando os métodos e o autismo do estado israelita, não defendo a sua extinção. Do mesmo modo, defendo que os imbecis possam continuar a refocilar livremente nas redes sociais. Reservo-me, outrossim, o direito de não frequentar Israel ou o Facebook, e ficaria grato se uns e outros se limitassem a seguir o meu sábio exemplo.