sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

«A maioria pensou que os seguidores daquele excêntrico chamado Hitler jamais alcançariam o poder»

Li a história de Solomon Perel, o judeu nazi, no El País de ontem. É um desses textos que já vai sendo raro encontrar nos jornais portugueses, mas que sobretudo me interessou enquanto testemunho de alguém que viveu uma situação insólita ou dramática, não sei ao certo como defini-la, tão estranha é a condição de um homem que decide sobreviver à perseguição do monstro vestindo-lhe a pele e encarnando a nova persona com absoluta perfeição, mimetizando perfeitamente o monstro e adquirindo as suas ideias monstruosas.

A história é poderosa de um outro ponto de vista: o caso de Solomon Perel fala da força da propaganda e da doutrinação dos regimes totalitários, provavelmente capaz, ao menos em certos casos, de convencer um cordeiro a julgar-se um lobo e a uivar à lua cheia. No momento histórico que vivemos, esta é um reflexão bastante necessária, desde logo porque, conforme diz Perel, também no tempo da sua juventude «a maioria pensou que os seguidores daquele excêntrico chamado Hitler jamais alcançariam o poder». «Viam-no como agora vemos muitos dos líderes da extrema-direita do mundo, como um louco». E deu no que deu.

(a propósito: convém ir lendo o que escreve o Rui Tavares no pasquim cujo nome evito repetir).

Li a história de Solomon Perel, dizia, no El País de ontem. Só hoje, porém, me ocorreu que Solomon Perel se parece muitíssimo com um personagem que inventei para o romance "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", Baruck Averbuch, o judeu que se tornou o mais fanático dos nazis. É apenas uma coincidência e também a demonstração (desnecessária) de que mesmo a mais delirante ficção se limita a imitar a realidade.