terça-feira, 29 de janeiro de 2019
Como num conto de Cortázar
Creio recordar-me de um conto de Cortázar, talvez Manuscrito hallado en un bolsillo, que fala das pessoas que desaparecem misteriosamente no metropolitano de Paris, cujo "esqueleto mondrianesco" parece especialmente calhado para que uma pessoa se perca nele, para que, após penetrar na penumbra dos seus túneis, depois já não se volte a sair, tragado por um mistério qualquer, ou por um abismo. Li hoje que algo semelhante tem sucedido no metro da Cidade do México, onde, nos últimos quatro anos, pelo menos 153 pessoas foram dadas como desaparecidas, ali vistas em carne e osso pela última vez no momento em que algum familiar mais próximo deu conta da ocorrências às autoridades. Uma parte dos processos abertos pela polícia foram encerrados após a reaparição dos desaparecidos, que talvez nunca relatem de que modo foram tragados pelos túneis entre, digamos, Tezozomoc e Santa Anita, ou entre Cuatro Caminos e Chipancingo. Uma parte, porém, nunca reemergiu do labirinto. Alguém os viu entrando na estação Zócalo, saindo de uma carruagem na estação de Lagunilla ou lendo um livro entre Balbuena e Moctezuma, mas depois evaporaram-se, não voltaram a sair das galerias e talvez ainda estejam sentados no banco de uma estação, encostados a uma coluna de azulejos, esperando em San Cosme pelo metro para Lindavista, indo e vindo sem parar entre El Rosario e Barranca del Muerto, alheados da vida e hipnotizados pela luz branca e fria da carruagem, pelo negrume dos túneis, pelo néon dos anúncios ou, é o mais certo, pela possibilidade de existir sem ser visto, imateriais como fantasmas de carne e osso transitando para a eternidade no metro da Cidade do México.