domingo, 20 de novembro de 2011
Algumas coisas que impressionam
À porta da dona Maria, no Bairro Maria Vitorina, cheirava tremendamente a urina esta manhã. A dona Maria, que tem uma filha médica e um apartamento a sério alguns metros acima da ilha, insiste em morar naquele sítio das Fontainhas, numa casita minúscula entre casitas muito pobres e que ameaçam vir por ali abaixo até ao Douro, apesar de, às vezes, lhe entrar água em casa a partir dos tugúrios vizinhos e abandonados. Ela explica que ali nasceu há 81 anos, tal como o pai dela já ali tinha nascido ("e depois foi para a guerra"), e que é ali que se sente em casa. O que mais lhe custa é que, numa das inundações, se estragaram alguns dos livros antigos que tem em casa, "do Camilo Castelo Branco e tudo". Talvez os indivíduos que não mexem uma palha para acabar com as ruínas cheias de lixo e "bicharada" não imaginem que há quem insista em viver nas Fontainhas por gosto e não por indigência ou pobreza extrema; que ali, naquela parte da cidade que a cidade não vê (porque o fogo de artifício do S. João é sempre de noite), vive e viveu gente igual a qualquer um de nós, que lê Camilo Castelo Branco e gosta de, às vezes, vir à janela e ver o Douro a correr ao fundo da vertigem.