segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Solução balzaquiana*



Ponderei dedicar este artigo à espantosa história de Solo, o cão sudanês (do Sul) que foi raptado por macacos, libertado, posto a viver num resort de Juba e que convive agora com dois antílopes. As crónicas, porém, são como o rating da dívida pública e têm humores que escapam às próprias razões da razão. Abdico, pois, de um caso ilustrativo da capacidade dos seres ditos irracionais para viverem em harmonia com animais de espécies diferentes – e, consequentemente, de uma lição de vida para alguns humanos –, mas ganha-se, espero, um contributo para a resolução da crise nas finanças de um país depauperado.

A alteração do rumo desta crónica deve-se ao facto de ter tomado conhecimento da edição, em Espanha, de um livro que pode ser de grande utilidade para as finanças públicas dos dois países ibéricos, actualmente a braços com a ingente angústia de não saberem como vão pagar amanhã as dívidas que contraíram ontem (ao ponto de se comportarem como louras viciadas em cartões de crédito). Trata-se, concretamente, de A arte de pagar as suas dívidas sem gastar um cêntimo, obra que Honoré de Balzac terá escrito em 1827 e, estou certo, encerrará quase tanta e tão útil sabedoria quanto aquela que ficou gravada no livro dedicado às maduras e suculentas mulheres de trinta anos.

Sabe-se que Balzac foi, para além de escritor de renome, ghostwriter, editor e impressor, actividade em que se iniciou em 1826, graças ao empréstimo obtido junto de uma amante. Conseguiu, para isso, uma autorização do Ministério do Interior, na qual se reconhecia que, embora ele não tivesse qualquer formação na área da impressão, conhecia bem o seu funcionamento. Conhecê-lo-ia, aliás, tão admiravelmente que, pouco depois, abandonou a actividade carregado de calotes que nunca chegou a saldar, eventualmente auxiliado pelos valiosos ensinamentos de A arte de pagar as suas dívidas sem gastar um cêntimo.

O opúsculo, supostamente baseado na experiência do barão de l’Empésé, foi considerado “imoral, impróprio e imaturo”, e, por isso, não integrou as Obras Completas do autor. Não seria caso para menos, já que o narrador do livro se empenha em dar lições sobre o mecanismo da dívida, no que pede meças a qualquer Madoff, Lehman, Rendeiro ou Costa desta vida. A obra contém inúmeros aforismos bastante apropriados ao mundo das finanças (“quanto mais dívidas tens, mais crédito consegues obter”), pelo que, no estado a que as coisas chegaram, talvez fosse útil a Portugal seguir o exemplo do sobredito barão: estando à beira de morrer, convocou todos os seus credores para lhes comunicar que, não querendo cometer a baixeza de pagar apenas dez por cento das dívidas, não lhes entregaria nem um tostão.

Tão ignorante como Balzac diante do negócio da impressão, não sei se é possível liquidar-se a pátria. Mas não creio que seja uma hipótese muito pior do que as outras que por aí circulam. Tem mesmo a vantagem de cumprir o velho adágio popular segundo o qual, acabando-se o vício, acaba também a peçonha.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 18 de Janeiro de 2011