quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Leve a carteira, senhor engenheiro
Esmerei-me o mais que pude na confecção experimental de um risotto de salmão fumado, abri a humilde (mas perfumada) garrafa de vinho branco e preparei-me para jantar em paz, mas o meliante entrou-me pela casa dentro assim que eu levei à boca a primeira garfada e constatei, com algum desgosto, o ligeiro excesso de sal da refeição. A culpa é minha, que não aprendo a desligar a televisão à hora das refeições e assim me exponho à aparição de todo o tipo de farsantes que irrompem nos noticiários. Desta feita, o homem que não teme e tem sempre uma solução para as dificuldades do país — uma solução de quinze em quinze dias, mais ou menos — surtiu como um bandoleiro escondido numa moita e gritou pela minha bolsa (pela dos outros também, mas a minha dói-me mais) e proferiu a tradicional ameaça, a bolsa ou a vida!, a bolsa ou o caos!, e eu encolhi tristemente os ombros, leve a bolsa, senhor engenheiro, mas salve-nos do caos dos mercados financeiros, do vil ataque da dívida pública. Não será lá grande incentivo isto de nos vermos reduzidos a uma bolsa onde se pode vir surripiar algum dinheiro sempre que a pátria está carecida, mas as coisas são como são, se é a carteira que quer, senhor engenheiro, leve lá a carteira e não se fala mais nisso. E nem adianta gritar o tradicional agarra que é ladrão! A polícia, já se sabe, nunca aparece quando faz falta.