segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mamas e telemóveis

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 22 de Junho de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)




Quando detecta algum caso de exagero, a minha mãe comenta-o com uma frase bastante pitoresca: “O que é demais também é moléstia”. Já quase ninguém utiliza palavras como “moléstia” e mesmo a sabedoria da justa medida parece, às vezes, ser uma coisa um pouco fora de moda. Veja-se o caso da cidadã brasileira Sheyla Hershey, verdadeira responsável por me ter lembrado do dito materno.

Sheyla, 30 anos, tornou-se (relativamente) conhecida por ser possuidora dos maiores seios do mundo (as imagens impressionam, mas não são bonitas). Ao fim de mais de trinta cirurgias, chegou a ter três quilos e meio de silicone em cada mama. Como, entretanto, casara com um milionário dos chocolates e passou a residir em Houston, nos EUA, o generoso busto ficou fora-da-lei. A quantidade de matéria plástica no corpo da brasileira excedia já o limite legal que, por motivos de saúde, está fixado nos regulamentos texanos. Indómita, Sheyla regressou ao Brasil e mais uma vez se fez operar. Contraiu, porém, uma infecção por estafilococos e chegou a correr perigo de vida. Pode ainda vir a perder os seios.

Numa entrevista que concedeu ao Globo, Sheyla explicou que a moléstia lhe permitiu perceber o erro em que incorrera ao pensar que ter os seios cada vez maiores era a melhor coisa que lhe podia acontecer. A conclusão a que chegou faz justiça à sabedoria simples da minha mãe: “Estou com uma infecção gravíssima e tive que passar por ela para aprender que nada em excesso é bom”, disse.

Em alguma coisa a obsessão de Sheyla pelas cirurgias se assemelha ao apego que certas pessoas têm pelos telemóveis e pela necessidade de estarem permanentemente contactáveis. Falam em qualquer lado, a qualquer hora e, às vezes, num tom de voz que os leva a partilhar pedaços da vida íntima com os estranhos que viajem no mesmo autocarro ou que estejam no mesmo café, no mesmo supermercado, no mesmo restaurante e, agora, no mesmo avião.

As viagens aéreas foram, até há pouco tempo, uma espécie de oásis. Os tele-tagarelas falavam obsessivamente nas salas de embarque, continuavam a falar a caminho do avião e, muitas vezes, reservavam ainda um derradeiro e muito importante telefonema para o instante em que o avião já se movimentava na pista. Apenas se calavam à ordem para desligar todos os dispositivos electrónicos - para sossego dos demais, sobretudo daqueles não suficientemente importantes para justificarem conversas tão urgentes.

Esse tempo de paz electrónica chegou (infelizmente) ao fim. A Comissão Europeia já estabeleceu as regras que permitem o uso de telemóveis a mais de três mil metros de altitude e os países-membros começaram a aprovar legislação que autoriza mais este decisivo avanço civilizacional. Em breve a novidade será adoptada por companhias aéreas de todo o mundo e os céus, até aqui silenciosos e vastos, encher-se-ão do rumor de milhões de conversas. Será, decerto, barulho a mais para tão pouca coisa. Mais uma moléstia, enfim.