terça-feira, 22 de junho de 2010
Borges não precisava de ler o que escrevia, eu não acredito no que vou escrevendo
À medida que Jorge Luís Borges foi envelhecendo e ficando cego, a sua caligrafia foi ficando mais miúda e apertada, as letras minúsculas, embora fizesse mais sentido que fosse ao contrário, que as suas letras se fossem agigantando para que ele conseguisse vê-las melhor. Depois, quando cegou, Borges passou, creio, a ditar o que queria escrever, o que talvez indique que não precisava de ler o que escrevia, que tinha o texto perfeitamente claro e articulado desde que o imaginava. De qualquer modo, a sua letra foi minguando à medida que a cegueira avançava – tenho-o anotado num caderno que é também a prova viva de que, não estando eu a ver melhor do que via antes, a minha caligrafia não está maior nem mais pequena, apenas mais feia e desengonçada, ao ponto de, às vezes, não conseguir reconhecer o que escrevi, nem querer acreditar que o tenha escrito assim, tão em tosco, tão necessitado de trabalho posterior. Não me pareço com Borges.