terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O ano de 1916




Parece que Francisco Franco, o ditador espanhol, planeou invadir Portugal no decurso da II Grande Guerra Mundial, no âmbito de um mais vasto projecto colonial. Como, porém, colecciono informações inúteis, a notícia não me apanhou completamente desprevenido. Franco tinha um testículo a menos e tenho como certo que se deve desconfiar sempre de um homem fanado. São indivíduos capazes de tudo. Ando há que tempos, aliás, para explanar uma teoria segundo a qual toda a história do século XX, com o seu cortejo de guerras e atrocidades, foi decisivamente influenciada por dois acontecimentos traumáticos ocorridos no ano de 1916, com poucos meses de distância, aos quais, creio, não são alheios os planos expansionistas de Franco.

Eu gosto de pequenas notícias. É normalmente aí, entre as breves que os jornais e os jornalistas tratam com desdém e menosprezo, que se encontram grandes verdades e revelações espantosas. Foi o que sucedeu também neste caso. Em Maio passado, salvo erro, vários jornais concederam uma migalha dos seus espaços editorais à informação segundo a qual, para além do bigodinho ridículo, os ditadores sanguinários Adolf Hitler e Francisco Franco tinham também em comum o facto de terem só um testículo. Em ambos os casos, o outro apêndice foi perdido em combate: Hitler perdeu o seu na batalha do Somme, a 7 de Outubro de 1916, e Franco viu-se privado dessa parte da sua anatomia num combate em El Biutz, perto de Ceuta, no final de Julho do mesmo ano.

Respeitador como sou dos cidadãos portadores de deficiência, não sustentarei que Hitler e Franco tenham sido menos homens do que qualquer outro indivíduo do sexo masculino – o ditador espanhol veio até a ter filhos depois do incidente africano – e que, por via disso, tenham procurado ambos afirmar as respectivas virilidades do modo mais sinistro de todos. Mas creio que ninguém poderá negar que esta é uma perspectiva bastante inquietante (e também um pouco divertida), assim como uma hipótese de trabalho cheia de potencialidades no campo da psicanálise histórica.

Bem vistas as coisas, nós, portugueses, somos quem melhor pode interpretar e fazer um esforço para compreender a pretensão expansionista de Franco (e de Hitler), ou não estivesse o nosso ADN nacional infectado pela nostalgia da perda de D. Sebastião em Alcácer Quibir (não muito longe de Ceuta, aliás). Se um povo inteiro pode viver suspenso das manhãs de nevoeiro, à espera de recuperar, ao menos simbolicamente, o rei perdido em combate, imagine-se como se há-de sentir um só homem que tenha ficado privado de um testículo em Ceuta.

Hitler começou uma guerra mundial e foi responsável por milhões de mortes, mas talvez, no fundo, apenas pretendesse conquistar o simbólico campo de batalha nas margens francesas do rio Somme. Franco planeou invadir Portugal e, sabe-se agora, o que queria realmente era estabelecer um império colonial no Norte de África – aí onde estão El Biutz e a traumática memória de um testículo perdido em 1916, esse ano tão aziago.

Crónica publicada no P2 do Público, no dia 27 de Outubro de 2009. Hoje, como todas as terças-feiras, há mais