quinta-feira, 21 de maio de 2009

Nas árvores

Sabeis perfeitamente como é: títulos de livros como O Barão Trepador, do Italo Calvino, têm sempre uma curiosa ressonância fescenina, eventualmente provocada pela exposição prolongada ao Português do Brasil. Vai daí que um tipo, mesmo sabendo que O Barão Trepador há-de ser um livro relativamente sério e metafórico, parábola da condição humana e tal, não resiste à sugestão dos saldos e das promoções e leva o livro para casa, deixa-o conquistar a primeira camada de pó sobre a estante, no monte provisório dos livros a ler, e ganhar, enfim, a dignidade blasé de uma biblioteca cuidadosamente desarrumada. Consumado o estágio, chega, enfim, a vez de O Barão Trepador passar para cima da mesa de jantar, para o porta-luvas do carro, para o sol da Praia dos Ingleses, para o lavatório da casa de banho e para as nódoas de gin-tónico e cerveja. O Barão Trepador é já um objecto utilitário, quotidiano, prático, flexível como um par de cuecas, coisa que nenhum kindler, nenhum readerxpto jamais alcançará, e aí está contando-nos a sua história, ou melhor, a história de um jovem aristocrata que, num acto de rebeldia adolescente, decide passar a viver em cima das árvores sem jamais pôr um pé no chão, orgulhoso como o raio; que vive uma existência paralela, selvagem, algo tola, em cima das árvores, um pouco à imagem de certos indivíduos que têm existências muito aborrecidas e desinteressantes e, ainda assim, vivem em cima dos ramos dos blogues como se o mundo ainda pudesse ser um sítio bestialmente divertido e vibrante. Nenhum de nós, porém, é tão valente como Cosimo, o rapazinho do romance: aqui vimos todos os dias fazer de conta que vivemos nas árvores e que alguém nos lê e se interessa, mas logo voltamos para o chão, para a terra firme da normalidade sem graça.