A expressão «anarquista de direita», que hoje li num título do El País, só aparentemente encerra uma contradição nos termos, para além de descrever com bastante exactidão a actividade de um certo e determinado partido político muitíssimo votado em Portugal. Os seus dirigentes reclamam ser «de direita radical» e conservadora, mas comportam-se sem a mínima civilidade; mentem, enganam, falsificam, roubam e etc., de algum modo como se o conservadorismo lhes desse para a anarquia. Nem sequer os próprios órgãos do partido cumprem as regras e as leis mais elementares, apelando, ainda assim, a gente que, como Patachula, um dos personagens do romance O Regresso dos Andorinhões, resolve votar no Vox, partido que detesta, «só para lixar o pessoal».
Se quisermos vê-la por outra perspectiva, a anarquia de direita faz até bastante sentido. Foi graças à anarquia e às guerras selvagens de outrora que «os de direita» se apropriaram da propriedade e dos bens alheios, constituindo a nobreza, o clero e a burguesia que concentraram quase toda a riqueza produzida pelos papalvos. Os «de direita», caso não tenham ainda percebido, não são, pois, coisa alguma, nem de direita, nem anarquistas, nem marcianos. Ou melhor: para conquistar o poder, comportam-se como anarquistas selvagens. Quando o alcançam, e para conservá-lo, passam a ser conservadores. E o pessoal "que se lixa", para seguir a expressão de Patachula, é sempre o mesmo - aquele a que o jargão popular chama "o mexilhão".