Em poucas ocasiões se escutam, devido ao estridor dos automóveis e ao matraquear das picaretas e dos martelos pneumáticos. Abafados por este concerto dissonante, quase se não percebem os gritos de aves de rapina que algum mecanismo produz dois ou três andares acima, numa varanda da Rua dos Clérigos. Julgo que se trata de uma geringonça destinada a afugentar as pombas, embora não tenha como sabê-lo ao certo. E sinto falta, às vezes, desse ruído ao mesmo tempo selvagem e sintético no impossível coração bravio da cidade, se calhar porque, na sua ausência, me distancio ainda mais do exemplar silêncio da vila, do silvo do vento entre as telhas, do crepitar do lume. Fico mais longe de mim.