Não poucas vezes me desassossega a dúvida sobre a utilidade de escrever estes rebarbativos textos do Teatro Anatómico. A melhor justificação que encontro é que a sua redacção me obriga a pensar e me disciplina a reflexão. Todavia, no tempo que vivemos, no horror que já presenciamos e naquele que apenas se entrevê, escrevê-los é também, conforme escreveu Juan Villoro, uma forma de «acender luzes rebeldes» na longa noite da indiferença e do descaminho. Já «não é possível não fazer nada», diz um dos personagens da história de Ainda Estou Aqui, o filme de Walter Salles. Escrever é, afinal, um modo de responder à urgência de «dar o peito», frase repetida na cantiga de Erasmo Carlos que encerra o filme: dar o peito, acender luzes rebeldes, plantar a erva daninha que há-de emurchecer a carnívora flor viçosa da nova estupidez triunfante - se quereis saber, há formas muito piores de perder tempo.